Escravizados e o Novo Testamento: Quem Realmente Escreveu a Bíblia que Lemos Hoje?

A maioria de nós cresceu acreditando que os apóstolos escreveram pessoalmente os textos que hoje fazem parte do Novo Testamento. Mas e se parte dessa história tivesse sido apagada?

Em 2025, a historiadora Candida Moss lançou o livro God’s Ghostwriters: Enslaved Christians and the Making of the Bible (“Ghostwriters de Deus: Cristãos Escravizados e a Criação da Bíblia”). Nele, ela apresenta um argumento corajoso e instigante: pessoas escravizadas foram coautoras dos textos bíblicos, atuando como escribas, intérpretes e missionários — e moldando ativamente o cristianismo primitivo.

A surpreendente tese central é a de que pessoas escravizadas desempenharam um papel crucial, e em grande parte não reconhecido, na redação e disseminação dos textos que compõem o Novo Testamento. Este artigo se propõe a explorar essa inovadora abordagem, lançando luz sobre a possível e significativa contribuição de indivíduos marginalizados na formação de um dos pilares da fé cristã.

Escriba-2-2 Escravizados e o Novo Testamento: Quem Realmente Escreveu a Bíblia que Lemos Hoje?
Representação realista de um escriba no Novo Testamento, copiando as Escrituras em um ambiente típico do judaísmo do primeiro século.

Por que isso importa para nós hoje?

Na época de Jesus e dos apóstolos, apenas 5% a 10% da população sabia ler e escrever. Muitos dos seguidores de Cristo eram pescadores, trabalhadores braçais e pessoas simples. Escrever cartas longas — como as de Paulo — exigia habilidade, tempo e energia. Era um trabalho cansativo e, muitas vezes, feito por pessoas escravizadas que tinham sido educadas para esse fim.

Essas pessoas não apenas copiavam palavras mecanicamente. Elas interpretavam, corrigiam, organizavam e até decidiam como certos trechos seriam lidos em público. Em uma época sem impressoras ou eletricidade, cada manuscrito era feito à mão — um processo demorado que exigia visão aguçada, paciência e criatividade.

Coautores invisíveis

Candida Moss argumenta que a noção de autoria na antiguidade era mais fluida do que a compreendemos hoje. Aquele que era reconhecido como autor de um texto nem sempre o escrevia de próprio punho; era comum ditar a obra para um escravo ou, em alguns casos, para um liberto que ainda mantinha laços de dependência. 

A historiadora vai além, sugerindo que esses indivíduos não eram meros instrumentos passivos de reprodução textual, mas coautores ativos, influenciando o estilo, realizando correções e, possivelmente, introduzindo nuances em função de suas próprias perspectivas e vivências.

Moss menciona personagens como Tércio (“Eu, Tércio, que escrevi esta carta” – Romanos 16:22), que provavelmente era um escravizado alfabetizado a quem Paulo ditou sua mensagem. Epafrodito e Marcos também são citados como possíveis ex-escravizados que atuaram como mensageiros e intérpretes dos textos apostólicos.

Imagine a cena: alguém viaja dias ou semanas para entregar uma carta de Paulo. Ao chegar, é essa pessoa — não o apóstolo — que lê o conteúdo em voz alta à comunidade cristã, respondendo perguntas e até explicando os conceitos mais difíceis.

Não seriam esses os primeiros pregadores do Evangelho? Eles não apenas entregavam a carta — eles viviam a mensagem.

Por que quase ninguém fala sobre isso?

A medida que o cristianismo se institucionalizou e se aliou ao poder romano, houve um apagamento histórico. Muitos desses colaboradores foram esquecidos, e figuras antes vistas como ajudantes escravizados foram “promovidas” na tradição a bispos e líderes religiosos.

Apesar dessa participação fundamental, a historiadora lamenta que a contribuição dos escravizados tenha sido historicamente apagada. Reconhecer o papel desses “ghostwriters de Deus” não diminui a importância dos apóstolos ou a inspiração divina das Escrituras, mas oferece uma visão mais completa e humana da formação do Novo Testamento.

Essa omissão não é apenas histórica — é espiritual. Ignorar o papel dos oprimidos na origem das Escrituras é esquecer que o Evangelho nasceu nas margens da sociedade.

O que a Bíblia nos ensina sobre isso?

Jesus sempre valorizou os humildes:

“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos céus.” (Mateus 5:3)

Paulo, que se considerava o menor dos apóstolos, afirmava:

“Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias.” (1 Coríntios 1:27)

Se o Senhor decidiu que seu Evangelho seria preservado e difundido por mãos escravizadas, talvez Ele esteja nos ensinando algo profundo: o poder da Palavra não depende do status social de quem a escreve, mas da fidelidade com que ela é vivida.

Como isso muda a forma como lemos a Bíblia?

Saber que pessoas escravizadas participaram ativamente da construção do Novo Testamento nos convida a uma leitura mais sensível, inclusiva e consciente. Lembra-nos de que Deus usa os invisíveis, os esquecidos e os que sofrem para realizar Sua obra.

Isso também nos chama à responsabilidade: será que temos dado voz aos que estão à margem em nossas igrejas? Ou estamos repetindo o erro da história, apagando os coautores do Reino?

 

Edson

Writer & Blogger

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Olá ! eu sou a Juh

Depois de 3 anos morando no México eu pedi demissão do meu trabalho. Entreguei meu apartamento e comprei uma passagem só de ida pra Espanha. E aqui começa a maior aventura da minha vida uma volta ao mundo.

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