Contradições políticas, lucro elevado e uso controverso da fé cristã geram reações no meio evangélico internacional
Em março de 2024, o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o lançamento da “God Bless the USA Bible” — um produto que une patriotismo, religião e marketing pessoal. A Bíblia é vendida por US$ 59,99, com versões autografadas ultrapassando os US$ 1.000.
Apesar da aparência de um tributo à fé cristã e aos valores americanos, a Bíblia “de Trump” tem gerado intensos debates, especialmente após revelações de que milhares de cópias foram impressas na China — país que o próprio Trump costuma criticar duramente.
Além da origem inesperada, o uso da imagem de Trump, a inserção de documentos políticos dos EUA no conteúdo bíblico e o elevado valor comercial do produto levantaram questionamentos éticos, teológicos e até políticos.
Trump lança Bíblia polêmica nos EUA
A “God Bless the USA Bible” se apresenta como uma edição especial da Bíblia King James (KJV), promovida com o slogan: “A única Bíblia que Trump já endossou”. A obra inclui, além do texto sagrado, a Constituição dos EUA, a Declaração de Independência, o Bill of Rights e o Hino Nacional.
Essa fusão de fé e nacionalismo chamou a atenção — e a crítica — de pastores e estudiosos da Bíblia, que alertam sobre o risco de transformar a fé cristã em ferramenta de marketing político.
Impressa na China: a contradição revelada
A grande ironia que alimentou a polêmica veio da descoberta de que mais de 120 mil cópias da Bíblia foram impressas na cidade de Hangzhou, na China, por menos de US$ 3 cada.
Isso contradiz diretamente a postura de Trump contra os produtos “Made in China” e suas críticas à dependência comercial dos EUA em relação ao país asiático.
Mesmo assim, essas Bíblias são vendidas por valores que variam de US$ 60 a mais de US$ 1.000, quando autografadas.
Religião e política no mesmo livro
A combinação de elementos religiosos e documentos políticos em uma única edição provocou reações negativas entre cristãos evangélicos. Para muitos, isso distorce o propósito da Bíblia, que deve ser um instrumento de fé e não um objeto de patriotismo exagerado.
O pastor Loran Livingston, em sermão, classificou o produto como “blasfemo e nojento”, afirmando que o conteúdo representa mais uma tentativa de misturar política com idolatria à figura de Trump.
Críticas de líderes evangélicos e políticos cristãos
A repercussão chegou também ao Reino Unido. Em entrevista ao podcast “A Mucky Business”, da Premier Christian News, o ex-líder do Partido Liberal-Democrata britânico e cristão assumido, Tim Farron, declarou:
“Trump zomba da mensagem da própria Bíblia que ele apregoa. Considero isso um uso manipulador, ganancioso e cínico da Palavra de Deus.”
Farron alertou que esse tipo de iniciativa confunde a mensagem cristã, transformando um livro sagrado em símbolo político e produto de alto lucro.
Fé, lucro e idolatria moderna
Embora o site oficial da “God Bless the USA Bible” afirme não ter vínculo com a campanha presidencial de Trump, documentos apontam que o ex-presidente já recebeu cerca de US$ 300 mil em royalties por licenciar seu nome e imagem.
O pastor Tim Wildsmith, que revisa Bíblias em seu canal no YouTube, alertou para a baixa qualidade do produto: páginas coladas, impressão ruim e leitura desconfortável. Segundo ele, a Bíblia parece ter sido feita mais com fins comerciais do que espirituais.
Reflexão bíblica sobre o uso da Palavra de Deus
O caso da “Trump Bible” levanta uma questão central para cristãos sinceros: até onde vai o limite entre usar a fé como testemunho e explorá-la como marca?
A Bíblia adverte sobre isso. Em 2 Coríntios 2:17, Paulo escreve:
“Porque não somos, como tantos outros, mercadores da palavra de Deus; antes, em Cristo, é com sinceridade, como da parte de Deus, que falamos perante Deus.”
Esse alerta se mostra atual em um mundo onde fé e política se misturam com interesses econômicos e culto à personalidade. A Bíblia não deve ser um souvenir de campanha, mas sim o fundamento da vida cristã.