Por Edson – Blog de Fé e Atualidade Cristã
“Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal; que fazem da escuridão luz, e da luz, escuridão…”
(Isaías 5:20)
Vivemos tempos em que muitas perguntas difíceis precisam ser feitas. É possível ser traficante e evangélico? Como o nome de Deus pode ser usado em contextos de violência? O que a Bíblia nos ensina sobre o uso indevido da fé?
Essas e outras questões estão no centro do livro “Traficantes Evangélicos: Quem São e a Quem Servem os Novos Bandidos de Deus”, da pastora e teóloga pentecostal Viviane Costa, finalista do Prêmio Jabuti 2024. A autora se debruça sobre uma realidade alarmante: a união entre o tráfico de drogas e o discurso evangélico em comunidades do Rio de Janeiro.

O Complexo de Israel: Bíblia, Fuzis e Intolerância
No coração dessa discussão está o chamado “Complexo de Israel”, um conjunto de favelas que recebeu esse nome pelas mãos de um traficante conhecido como Peixão, líder da facção TCP (Terceiro Comando Puro). Ele se apresenta como evangélico e lidera um grupo que se autodenomina “Tropa de Arão”, unindo linguagem bíblica e práticas criminosas.
O grupo mistura religião e crime, justificando suas ações como uma missão divina. Peixão se vê como um escolhido de Deus para libertar favelas da facção rival, o Comando Vermelho. Ele não considera o tráfico um pecado, mas um meio de ajudar a comunidade.
Eles frequentam cultos, cantam louvores, impõem regras “morais” à comunidade — mas, ao mesmo tempo, comandam o tráfico de drogas . O Complexo de Israel é marcado pela intolerância religiosa, com a expulsão de praticantes de outras religiões e a destruição de seus locais de culto.Terreiros foram destruídos, imagens religiosas quebradas, e frases como “Jesus é o dono do lugar” foram pichadas em muros após os ataques.
Reflexão: Que tipo de fé é essa que nega o amor, a paz e a liberdade religiosa — princípios que Cristo pregou?
Esse Fenômeno é Novo?
O fenômeno dos “traficantes evangélicos” não é exatamente novo, mas ganhou contornos específicos no Rio de Janeiro. Historicamente, traficantes seguiam uma religiosidade popular brasileira, misturando catolicismo com religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé. Com o crescimento do movimento evangélico nas periferias, alguns traficantes passaram a se identificar como evangélicos, integrando essa fé em suas atividades criminosas.
Mas hoje há algo diferente: a religião virou parte da estrutura de poder. O tráfico já não apenas tolera igrejas — ele constrói, financia e manipula igrejas. E o mais grave: em alguns casos, há líderes evangélicos que se beneficiam disso, oferecendo “testemunhos” de conversão e ganhando seguidores em cima de histórias de criminosos que nem sempre deixaram o crime.
O Que Dizem os Pastores e Teólogos Cristãos?
Esse fenômeno complexo e controverso levanta questões sobre a relação entre fé e crime, e o papel da igreja evangélica nesse contexto. Líderes evangélicos e pesquisadores expressam preocupação com o uso do nome de Deus para justificar a violência, e a necessidade de a igreja refletir sobre sua responsabilidade nesse cenário. A teóloga Viviane Costa, em seu livro, busca aprofundar a compreensão desse fenômeno, dando voz aos moradores das favelas e suas experiências de fé e luta.
Pastores sérios e fiéis à Bíblia têm se posicionado contra essa distorção da fé. Muitos alertam sobre o perigo de transformar o Evangelho em uma ferramenta de dominação.
A pesquisadora Christina Vital, especialista em religião nas periferias, aponta que há igrejas que usam essas conversões como “marketing religioso”. Mas isso não é conversão verdadeira. Conversão é mudança de vida — e isso inclui abandonar o pecado, inclusive o crime organizado.
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.”
(Mateus 7:21)
Como Devemos Agir Como Igreja?
O primeiro passo é não se calar. A Igreja precisa denunciar o uso indevido do nome de Deus. Precisamos continuar sendo sal e luz (Mateus 5:13-16), trazendo esperança para as comunidades sem ceder à lógica do medo ou do poder pelo poder.Também devemos apoiar o trabalho social e espiritual que realmente transforma vidas, promovendo liberdade religiosa, amor ao próximo, e justiça com misericórdia (Miquéias 6:8).
Conclusão: Deus Não Está à Venda
O uso da fé como ferramenta de controle é uma afronta ao verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo. Devemos nos lembrar que Deus não compactua com a violência, nem com o pecado mascarado de santidade. Como cristãos, somos chamados a discernir os tempos, denunciar o erro e viver a verdade do Reino — com amor, coragem e compaixão.